Introdução
Vamos introduzir uma discussão sobre a política com base nas possibilidades e na qualidade da participação política. Além disso, propomos uma reflexão sobre a democracia pautando-se pela perspectiva antidemocrática de Platão (428-348 a.C). Nesse sentido, deveremos atentar para como Platão explica a desigualdade de classes na sociedade ateniense em seu tempo, valendo-nos, para tanto, da obra A República. Abordaremos, basicamente, a concepção platônica de justiça e a teoria da alma, elementos importantes para a compreensão da visão platônica sobre o tema.
Para início de conversa, propomos uma
questão: Quais são os pontos fortes e quais são as fragilidades que
conseguimos observar no cotidiano em relação à democracia brasileira?
A democracia é um regime que permite
e requer diversidade de opiniões, a criação de organizações, associações,
movimentos e partidos e, por isso, é na democracia que os conflitos e disputas
são uma constante e possibilitam a manutenção e a ampliação de direitos. Ou
seja, quanto mais vozes tiverem o direito de ser ouvidas, mais conflitos e
disputas se farão presentes na sociedade democrática e é por isso que a
democracia tem o potencial de se abrir para revisões e transformações da
realidade. A democracia caracteriza-se pela pluralidade de vozes e, portanto, o
pior que pode acontecer com a democracia é a violência que promove o medo e
tende a provocar o silêncio.
A justiça na República Platônica
Justiça,
apesar do seu uso corrente, é um conceito de difícil demarcação. Os dicionários
referem-se à justiça, entre outras possibilidades, como distribuição
que permite a cada um ter o que é seu e/ou que tal distribuição seja feita de
forma imparcial. Essas possibilidades de entender a justiça parece ter
relação com o que entendemos, de forma geral, por justiça. Nesse contexto, como
a cidade poderia funcionar de maneira mais justa?
Platão e a teoria da alma
Questão filosófica: A desigualdade social é natural ou criada
pelos seres humanos?
A noção que Platão tem de justiça é
reforçada pela sua teoria da alma. Para ele, assim como na cidade há três
classes distintas, também a alma humana possui três partes, cada uma
encarregada de uma função específica:
1. Parte concupiscente ou apetitiva: situada no baixo-ventre (entre o diafragma e o umbigo), é a parte da alma responsável pela busca da bebida, da comida, do sexo, dos prazeres, enfim, de tudo quanto é necessário à conservação do corpo e à reprodução da espécie. É irracional e mortal.
2. Parte colérica ou irascível:
irascível é quem se irrita ou se enraivece com facilidade. Localizada no peito,
acima do diafragma, sua função é defender o corpo contra tudo o que possa
ameaçar sua segurança. Também é irracional e mortal.
3. Parte racional: é a função
superior da alma, o traço divino que há em nós. Situada na cabeça, é
responsável pelo conhecimento. Apenas essa parte é imortal.
O homem virtuoso é aquele em
que cada parte da alma realiza na medida justa (sem falta nem excesso) a
função que lhe cabe, sob a regência da parte racional. Cabe, portanto, à
parte racional dominar as outras duas. O domínio da razão sobre a
concupiscência resulta na virtude da temperança (moderação); o domínio
da razão sobre a cólera produz a virtude da coragem ou da prudência. A
virtude própria da parte racional é o conhecimento.
Por outro lado, o homem vicioso é aquele em que as partes da alma não conseguem realizar suas funções próprias, ou as realizam desmesuradamente (sem medida), o que ocorre quando a parte racional perde o comando sobre as outras duas. Nesse caso, instaura-se a desordem, o conflito, a violência contra si e os demais.
Ora, o que vale para o homem
individualmente vale também, de certo modo, para a cidade e as três
classes sociais nela existentes:
1-Na classe econômica,
predomina a parte concupiscente da alma. Daí ela estar sempre voltada para a
obtenção de riquezas e prazeres. Assim, se essa classe assumir o governo, a
cidade será mergulhada em sérios problemas econômicos, aprofundando as
desigualdades.
2-Na classe dos guerreiros,
predomina a parte colérica, razão pela qual apreciam os combates e a fama. Se
governarem, a cidade viverá em constante estado de guerra, tanto interna quanto
externamente, gerando insegurança e instabilidade.
Em suma, assim como o homem justo é aquele em que a razão governa a cólera e a concupiscência, também na cidade, para haver justiça, é preciso que os magistrados governem as demais classes, dedicando-se estas às funções que lhes são próprias.
Caberá à educação preparar os
indivíduos de cada classe para o exercício da função e da virtude a ela
correspondentes. Assim, a classe econômica deve ser educada para a
frugalidade e a temperança; a classe militar, para a coragem;
e a classe dos magistrados, para a prudência. O resultado dessa
combinação será uma quarta e principal virtude: a justiça.
Assim, a cidade justa é aquela em
que cada classe cumpre harmoniosamente o papel que lhe cabe: o magistrado governa,
o soldado defende e a classe econômica provê a subsistência dos cidadãos, tudo
na mais perfeita harmonia. Desse modo, cada um exercendo a função
correspondente às inclinações de sua alma, às características de sua natureza,
todos concorrerão para a realização da justiça. Eis, portanto, como Platão legitima
e justifica a desigualdade entre as classes, apresentado-a como
expressão da justiça e instrumento para a realização do bem comum.
Conclusão
É importante realçar, retomando a questão filosófica: se a desigualdade social é natural ou criada pelos seres humanos, que a visão de Platão sobre as classes sociais conduz a certa naturalização da desigualdade e, nesse sentido, diferenças justificam as desigualdades. A posição platônica, dessa forma, não considera a convenção (como possivelmente pensavam os sofistas, adversários políticos de Platão), isto é, deixa de ser considerada como obra humana, e passa a ser entendida como expressão da natureza intrínseca ao homem, como fruto de uma espécie de disposição inata das pessoas para exercer determinado papel na sociedade, disposição que se justifica por uma ideia de bem e justiça.
Resumo
Platão entende que, assim como no corpo, naturalmente, há partes desiguais, a desigualdade entre as classes sociais também é natural. Ele observa que as pessoas nascem diferentes, com habilidades e tendências diferentes, e isso não é um problema. Alguns nascem para o trabalho braçal, outros para defender e outros para governar. Se cada um fizer bem a sua função, toda a cidade será justa. Por isso, o título deste texto... “Platão e a justa desigualdade”. Portanto, a visão de Platão é antidemocrática, pois ele considera que nem todos nascem com sabedoria para governar. O filósofo defende um tipo de governo aristocrático, onde quem governa deve ser o filósofo, o mais sábio (é o Rei-filósofo). Essa concepção será contrariada, mais adiante, por Rousseau, para quem a desigualdade não é natural, mas resulta de uma convenção, ou seja, é produzida pelos seres humanos. É o que veremos na próxima aula...
Para aprofundar, refletir e construir o conhecimento:
(Responda em seu caderno de
Filosofia)
1-Descreva, conforme o texto, o
que caracteriza uma democracia.
2-Quais são as três partes da
alma, pensadas por Platão, e qual á e a característica de cada uma?
3-Como é o homem virtuoso e o
homem vicioso, conforme Platão?
4-Quais são as três classes da
cidade e qual a caraterística de cada uma?
5-Para Platão, a desigualdade
social é natural ou produzida? Justifique sua resposta.
Referências Bibliográficas
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2016.
São Paulo Faz Escola. Caderno do Aluno - 3ª Série - 2º Bimestre. 2020.
Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo:
caderno do professor; filosofia, ensino médio, 3a série / Secretaria da Educação;
coordenação geral, Maria Inês Fini; equipe, Adilton Luís Martins, Luiza
Chirstov, Paulo Miceli, Renê José Trentin Silveira. - São
Paulo: SE, 2014.
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