segunda-feira, 1 de junho de 2020

Leituras Filosóficas – Descartes e Pascal


Introdução

Para ampliar o estudo sobre Antropologia Filosófica, pode ser feito um exercício de reflexão com a ajuda de dois filósofos: Pascal e Descartes. Aqui você terá a oportunidade de primeiro, ter contato com fragmentos de textos filosóficos e segundo, refletir sobre a importância de nos considerarmos animais em meio aos demais seres da natureza.

Em geral, a Filosofia e as ciências contam com uma vasta literatura que aborda a importância de se distinguir o ser humano dos demais seres da natureza. Já no século XVII, e com mais vigor a partir do século XIX, as ciências se afirmaram como conhecimento capaz de não apenas demonstrar a superioridade humana na natureza, mas de conceber a necessidade de dominar essa mesma natureza, construindo a ideia de que não somos apenas diferentes, mas superiores aos outros seres. Essa consciência pode ter impulsionado todas as maravilhas técnicas e científicas que a humanidade edificou. Mas responde também pela ilusão de que somos capazes de intervir e controlar a natureza sem consequências desastrosas para nós mesmos e para todo o planeta.

Uma ideia importante é considerarmos a perspectiva de não nos vermos como seres distintos e superiores, mas distintos e ocupantes de um mesmo contexto material, natural; distintos e responsáveis justamente por sermos seres de consciência, capazes de prever consequências, assumir equívocos e de rever metas contemplando a preservação da própria vida e a de outros seres.

René Descartes (1596-1650) e Blaise Pascal (1623-1662) nos oferecem dois textos interessantes para inspirar essa consciência sobre nossa inserção em uma natureza material assim como a todos os seres que nos cercam. Ambos foram escritos no século XVII.
Destacamos dois fragmentos desses textos para a reflexão:

Meditações (Texto de Descartes)


E, primeiro, não existe nenhuma dúvida que tudo o que a natureza me ensina contém algo de verdadeiro […]. Ora, não há nada que essa natureza me ensine mais claramente nem mais sensivelmente que o fato de eu ter um corpo que fica indisposto quando sinto dor, que tem necessidade de comer ou de beber quando tenho os sentimentos de fome ou de sede etc.
E, portanto, eu não posso absolutamente duvidar que tenha alguma verdade nisso. A natureza me ensina também por meio desses sentimentos de dor, fome, sede etc. que eu não estou apenas alojado em meu corpo como um comandante em seu navio, mas que, além disso, lhe estou muito intimamente conjugado e tão entrelaçado e misturado que componho um único todo com ele. [...] Além disso, a natureza me ensina que vários outros corpos existem em volta do meu, alguns dos quais devo seguir e de outros fugir.

DESCARTES, René. Oeuvres philosophiques de Descartes. Adolphe Garnier (Org.). V. 1. Paris: Librairie Classique et Élémentaire de L. Hacuette, 1835. Disponível em: <http://goo.gl/bG4L0F>. Acesso em:  16 out. 2013. Tradução Célia Gambini.


O homem perante a natureza (Texto de Pascal)

            A primeira coisa que se oferece ao homem ao contemplar-se a si próprio é seu corpo, isto é, certa parcela de matéria que lhe é peculiar. Mas, para compreender o que ela representa e fixá-la dentro de seus justos limites, precisa compará-la a tudo o que se encontra acima ou abaixo dela. Não se atenha, pois, a olhar para os objetos que o cercam, simplesmente, mas contemple a natureza inteira na sua alta e plena majestade.

Considere esta brilhante luz colocada acima dele como uma lâmpada eterna para iluminar o universo, e que a Terra lhe apareça como um ponto na órbita ampla deste astro e maravilhe-se de ver que essa amplitude não passa de um ponto insignificante na rota dos outros astros que se espalham pelo firmamento. E se nossa vista aí se detém, que nossa imaginação não pare; mais rapidamente se cansará ela de conceber, que a natureza de revelar.

Todo esse mundo visível é apenas um traço perceptível na amplidão da natureza, que nem sequer nos é dado a conhecer de um modo vago. Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projetemos além de espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas. [...]

Afinal que é o homem dentro da natureza? Nada, em relação ao infinito; tudo, em relação ao nada; um ponto intermediário entre o tudo e o nada. Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas quanto o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é-lhe igualmente impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve.

PASCAL, Blaise. Parte dois. Pensamentos. Tradução Mario Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Se um texto (Descartes) traz a visão de conflito do homem consigo mesmo, o outro (Pascal) traz a ideia de nossa limitação diante da natureza. Duas condições básicas da existência humana que precisam ser corajosa e filosoficamente enfrentadas para a compreensão do ser humano. Qualquer projeto educacional com vista à preservação da natureza, e com esta à preservação da humanidade, requer conscientização sobre nossos limites e nossas necessidades como seres corpóreos que até o presente momento nada sabem sobre seu início, seu fim e que continuam a destruir-se mutuamente.

Para o seu estudo, localize no texto os seguintes pontos:

- A afirmação enfática de que somos um corpo;
- A imagem de que a natureza me ensina que convivo com outros corpos;
- A ideia de que fujo de alguns e de outros me aproximo;
- A ideia de que não vemos, não compreendemos nossos extremos: nem fim, nem princípio;
- Aa ideia de que somos nada em relação ao infinito, porém somos tudo em relação ao nada.

Referência Bibliográfica

São Paulo (Estado) Secretaria da Educação.
Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo: caderno do professor; filosofia, ensino médio, 3a série / Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; equipe, Adilton Luís Martins, Luiza Chirstov, Paulo Miceli, Renê José Trentin Silveira.  -  São Paulo: SE, 2014.

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