Um dos
temas filosóficos que mais pode despertar o interesse e a curiosidade é o da
intersubjetividade, isto é, as relações entre os indivíduos. A partir da
perspectiva do filósofo francês Jean-Paul Sartre, pode-se refletir sobre esse
assunto tão complexo, e que nos afeta cotidianamente.
Há uma
frase bastante famosa de Sartre, presente em uma das peças de teatro que ele
escreveu, chamada Entre quatro paredes (Huis clos no
original francês), que pode resumir o ponto de vista do autor sobre a
intersubjetividade: “o inferno, são os
outros”. À primeira vista, essa frase pode ser lida como um atestado de
pessimismo quanto ao sucesso das relações humanas – mas, não é bem assim.
Em sua
principal obra, O ser e o nada, Sartre aponta que a característica essencial do homem é sua
liberdade radical (isto é, o homem é ontologicamente livre, é livre em seu
ser). Há um famoso jargão existencialista (movimento filosófico que tinha em
Sartre um de seus mais importantes filósofos), que diz que, no homem, “a existência precede a essência”. Bem
resumidamente falando, isso significa que, para
um existencialista, o homem primeiro nasce, passa a existir no mundo, e só
depois, no decorrer de sua vida, ele constrói algo que possa ser chamado de sua
“essência” – aquilo pelo qual identificamos cada pessoa em particular. Essa
“essência” se forma, basicamente, pelas escolhas que cada um de nós faz ao
longo de nossas vidas (valores, profissão, a forma de se relacionar com os
outros, opiniões, gostos, crenças, etc.). Ainda na peça Entre quatro paredes, Sartre
afirma que, afinal, um homem “nada mais é do que a soma das escolhas que
fez durante sua vida”. É nesse movimento que nossa existência pode
ganhar um sentido que, a priori (antes) ela não tem.
Se o
homem é fundamentalmente livre, mesmo alguém mantido sob a mais cruel
dominação, no fundo permanece livre em seu ser, em sua consciência. Quer dizer,
um homem jamais conseguirá dominar plenamente o outro, penetrar plenamente em
sua consciência: sempre haverá lá uma resistência, um resquício de liberdade.
Em outros termos, um homem nunca pode ser reduzido completamente à condição de
um objeto; a isso sempre haverá uma espécie de oposição por parte de nossa
consciência, vinda de nossa liberdade radical.
Nesse
sentido, as relações humanas são, a princípio, conflituosas: quando encontro o outro, há um confronto
entre minha liberdade e a dele. Porém, e isso é importante, esse conflito
não é tudo. Eu preciso do outro, por exemplo, para me conhecer plenamente, para
escapar ao que Sartre chama de má-fé, essa espécie de mentira que contamos a nós mesmos
para fugir da angústia, que se origina da responsabilidade que temos por nossas
escolhas (por exemplo: fui mal numa prova hoje. Ontem, porém, ao invés de
estudar, resolvi ficar vendo TV. Para Sartre, é preciso que ajamos
autenticamente diante dessa situação, é preciso que eu assuma a
responsabilidade de que fui mal porque não quis estudar, porque preferi ficar
vendo TV. No entanto, frequentemente agimos de “má-fé”, e tentamos nos enganar,
por exemplo, dizendo que fomos mal na prova porque ela estava muito difícil, ou
porque o professor é ruim, etc., eliminando o peso da responsabilidade por
nossas escolhas). O olhar alheio (do
outro) é responsável por nos ajudar a escapar da tentação da má-fé, ele é responsável por nos dizer quem somos,
e não quem pensamos ser – o que é fundamental se quisermos melhorar,
crescer, evoluir em todos os aspectos. Isso para não falar do necessário
processo de socialização, sem o qual não conseguiríamos sobreviver.
O olhar da Monalisa parece saber algo que escondemos |
Assim, na
perspectiva sartriana, não há relação humana que não carregue em si mesma um
germe de tensão. “O inferno são os
outros”, para Sartre, significa justamente isso: porque o outro também é livre, não podemos controlar completamente o
que ele pensa, o que ele nos diz, o limite que ele impõe à nossa liberdade (o
que frequentemente gera conflito); mas, ao mesmo tempo (daí vem a tensão), preciso dele, de seu olhar (ainda que,
muitas vezes, esse olhar veja algo em nós que não gostamos), para me conhecer e
poder agir no mundo, pois apenas por nossas ações (sobretudo as que
interferem positivamente na vida dos outros), e no nosso contato intersubjetivo
autêntico (que ocorre quando encaro o outro como um ser igualmente livre, e não
como um simples objeto), que podemos superar nossa situação e dar um sentido
legítimo à nossa existência.
A
perspectiva filosófica de Sartre sobre as relações com os outros traz alguns
elementos importantes para pensarmos. No fundo, o que a teoria sartriana coloca
é que, se o homem é livre, toda relação humana baseia-se numa escolha de cunho
moral, quer dizer, na forma como escolhemos ver e nos relacionar com o outro.
Ao fim e ao cabo, segundo Sartre, a última palavra compete a cada indivíduo.
Mas, com base no que foi exposto, você poderia questionar: numa sociedade
altamente individualista como a nossa, na qual a maioria das pessoas é vista
como uma simples mercadoria, ou como número para estatísticas, como relacionar nossa liberdade com o
respeito e a afirmação da liberdade do outro? Parece que um dos desafios
contemporâneos é justamente tentar desatar esse nó.
Reflita e responda:
Como entender a ideia de Sartre de que “o inferno
são os outros”, mas que ao mesmo tempo, precisamos do outro. Explique.
Para quem
se interessar:
SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro paredes, ed. Civilização Brasileira.
_________________. O ser e o nada, ed. Vozes (Terceira Parte, sobretudo);
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ResponderExcluirSegundo satre o outro serve para que não ajamos de ma fé como a razão de não termos ido mau em uma prova e nos auto enganarmos dizendo que a prova estava difícil de mais mas na verdade não estudou preferiu fazer outras coisas e assim o olhar do outro nos corrigi para que não faça o errado e assumir as responsabilidades
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