domingo, 20 de abril de 2014




O mito de Narciso

Estudar os mitos é de extrema importância pois neles se expressa o conhecimento atemporal. Através de seus símbolos, somos levados a uma jornada arquetípica e que muitas vezes tem mais realidade e atualidade que os fatos históricos, pois dão origem a eles. 

Vamos fazer uma análise psicológica do mito de Narciso, personagem grego que nasceu com um dom que se converteu em maldição: sua beleza.

Diz-se que ao nascer, os sábios orientaram sua mãe que jamais deveria deixar o menino olhar sua imagem em um espelho, pois o choque ao ver sua beleza seria imprevisível. Assim viveu o garoto, até que um dia, durante uma caçada em meio ao bosque, parou para tomar água em um lago que ali havia. Ao ver sua imagem refletida nas águas serenas do lago, tal como um espelho, viu imagem de tamanha beleza que tão logo a contemplou já se apaixonou e então, perdido de amor, tentava abraçar a imagem mas sempre que tocava o lago ela se desfazia em suas mãos.

Depois de muito tentar, percebeu que tratava-se de um amor impossível, já sem esperanças, decidiu matar-se ali mesmo, à beira do lago. E do sangue que regou a terra nasceram flores brancas, as quais se deu o nome do jovem: narciso.

Em geral, é consenso interpretar o mito como a história de uma pessoa enamorada de si mesma que cai no erro de confundir-se com sua imagem no lago. Muito se fala dos narcisistas, pessoas que se amam mais do que amam a qualquer outra pessoa. Também é consensual entender que a história terminou em tragédia. Porém, à luz da simbologia universal, utilizando-se das analogias presentes em todos os mitos, podemos fazer uma nova leitura desta narrativa e perceber nela algo mais, que tal qual um farol nos faz olhar na direção de nós mesmos.

De fato, Narciso é uma pessoa enamorada de si mesma e de fato, caiu no erro de confundir-se com sua própria imagem no lago. O detalhe é que esse mito não fala de um garoto em particular, mas sim de uma característica típica de todo ser humano, seja bonito ou feio, novo ou velho. Para entender isso precisamos antes entender o que é a paixão. A paixão é uma força de atração, um magnetismo que em realidade nós projetamos sobre o objeto do encantamento. As coisas pelas quais nos apaixonamos muitas vezes não tem todo aquele brilho, mas nós depositamos nelas todo o brilho do mundo (nosso mundo) e então nos sentimos fatalmente atraídos por elas. Na verdade, a pessoa apaixonada é a grande responsável por isso, pois ela é quem se enamora e ao mesmo tempo a fonte geradora de todo magnetismo depositado.

Até aqui, então, vemos que todos somos Narcisos, sempre buscando um lago para refletir nossa própria imagem e dizer “que coisa linda!”.

Porém, no mito, Narciso não fica só nisso por muito tempo. Tão logo percebe que aquela paixão é impossível (é ilusória) ele resolve morrer. Nos mitos, a morte associa-se à transformação, a deixar de ser o que se é. E isso vem confirmado logo em seguida, quando de seu sangue brotam flores brancas, as quais recebem o seu nome. As flores, nos mitos, geralmente representam as virtudes da Alma ou o resultado da transformação. São brancas porque fazem a percepção retornar à pureza, ao original, ao que realmente é.

Enfim, basta pensar que se uma pessoa está usando óculos com lentes vermelhas, tudo que ela enxergar vai ter uma tonalidade vermelha. Isso nos mostra o mito de Narciso: tudo que enxergamos em um primeiro momento tende a ser uma projeção de nosso mundo interior, que personificamos nas pessoas e acontecimentos à nossa volta.

Para concluir, Narciso (agora podemos chamar de o herói Narciso) mostra que é necessário matar a si mesmo, no sentido de renunciar a essa visão distorcida, egoísta, tendenciosa, para que então surja a visão adequada, real, “pura”. E, para completar essa jornada de transformação, precisamos aprender a olhar para dentro e enxergar essas pequenas distorções da realidade.

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