segunda-feira, 26 de maio de 2014

"O inferno são os outros" (Sartre)


Um dos temas filosóficos que mais pode despertar o interesse e a curiosidade é o da intersubjetividade, isto é, as relações entre os indivíduos. A partir da perspectiva do filósofo francês Jean-Paul Sartre, pode-se refletir sobre esse assunto tão complexo, e que nos afeta cotidianamente.
 Há uma frase bastante famosa de Sartre, presente em uma das peças de teatro que ele escreveu, chamada Entre quatro paredes (Huis clos no original francês), que pode resumir o ponto de vista do autor sobre a intersubjetividade: o inferno, são os outros”. À primeira vista, essa frase pode ser lida como um atestado de pessimismo quanto ao sucesso das relações humanas – mas, não é bem assim.

Em sua principal obra, O ser e o nada, Sartre aponta que a característica essencial do homem é sua liberdade radical (isto é, o homem é ontologicamente livre, é livre em seu ser). Há um famoso jargão existencialista (movimento filosófico que tinha em Sartre um de seus mais importantes filósofos), que diz que, no homem, “a existência precede a essência”. Bem resumidamente falando, isso significa que, para um existencialista, o homem primeiro nasce, passa a existir no mundo, e só depois, no decorrer de sua vida, ele constrói algo que possa ser chamado de sua “essência” – aquilo pelo qual identificamos cada pessoa em particular. Essa “essência” se forma, basicamente, pelas escolhas que cada um de nós faz ao longo de nossas vidas (valores, profissão, a forma de se relacionar com os outros, opiniões, gostos, crenças, etc.). Ainda na peça Entre quatro paredes, Sartre afirma que, afinal, um homem “nada mais é do que a soma das escolhas que fez durante sua vida”. É nesse movimento que nossa existência pode ganhar um sentido que, a priori (antes) ela não tem.

Se o homem é fundamentalmente livre, mesmo alguém mantido sob a mais cruel dominação, no fundo permanece livre em seu ser, em sua consciência. Quer dizer, um homem jamais conseguirá dominar plenamente o outro, penetrar plenamente em sua consciência: sempre haverá lá uma resistência, um resquício de liberdade. Em outros termos, um homem nunca pode ser reduzido completamente à condição de um objeto; a isso sempre haverá uma espécie de oposição por parte de nossa consciência, vinda de nossa liberdade radical.

Nesse sentido, as relações humanas são, a princípio, conflituosas: quando encontro o outro, há um confronto entre minha liberdade e a dele. Porém, e isso é importante, esse conflito não é tudo. Eu preciso do outro, por exemplo, para me conhecer plenamente, para escapar ao que Sartre chama de má-fé, essa espécie de mentira que contamos a nós mesmos para fugir da angústia, que se origina da responsabilidade que temos por nossas escolhas (por exemplo: fui mal numa prova hoje. Ontem, porém, ao invés de estudar, resolvi ficar vendo TV. Para Sartre, é preciso que ajamos autenticamente diante dessa situação, é preciso que eu assuma a responsabilidade de que fui mal porque não quis estudar, porque preferi ficar vendo TV. No entanto, frequentemente agimos de “má-fé”, e tentamos nos enganar, por exemplo, dizendo que fomos mal na prova porque ela estava muito difícil, ou porque o professor é ruim, etc., eliminando o peso da responsabilidade por nossas escolhas). O olhar alheio (do outro) é responsável por nos ajudar a escapar da tentação da má-fé, ele é responsável por nos dizer quem somos, e não quem pensamos ser – o que é fundamental se quisermos melhorar, crescer, evoluir em todos os aspectos. Isso para não falar do necessário processo de socialização, sem o qual não conseguiríamos sobreviver.
O olhar da Monalisa parece saber
algo que escondemos

Assim, na perspectiva sartriana, não há relação humana que não carregue em si mesma um germe de tensão. “O inferno são os outros”, para Sartre, significa justamente isso: porque o outro também é livre, não podemos controlar completamente o que ele pensa, o que ele nos diz, o limite que ele impõe à nossa liberdade (o que frequentemente gera conflito); mas, ao mesmo tempo (daí vem a tensão), preciso dele, de seu olhar (ainda que, muitas vezes, esse olhar veja algo em nós que não gostamos), para me conhecer e poder agir no mundo, pois apenas por nossas ações (sobretudo as que interferem positivamente na vida dos outros), e no nosso contato intersubjetivo autêntico (que ocorre quando encaro o outro como um ser igualmente livre, e não como um simples objeto), que podemos superar nossa situação e dar um sentido legítimo à nossa existência.

A perspectiva filosófica de Sartre sobre as relações com os outros traz alguns elementos importantes para pensarmos. No fundo, o que a teoria sartriana coloca é que, se o homem é livre, toda relação humana baseia-se numa escolha de cunho moral, quer dizer, na forma como escolhemos ver e nos relacionar com o outro. Ao fim e ao cabo, segundo Sartre, a última palavra compete a cada indivíduo. Mas, com base no que foi exposto, você poderia questionar: numa sociedade altamente individualista como a nossa, na qual a maioria das pessoas é vista como uma simples mercadoria, ou como número para estatísticas, como relacionar nossa liberdade com o respeito e a afirmação da liberdade do outro? Parece que um dos desafios contemporâneos é justamente tentar desatar esse nó.


Reflita e responda:
Como entender a ideia de Sartre de que “o inferno são os outros”, mas que ao mesmo tempo, precisamos do outro. Explique.

Para quem se interessar:

SARTRE, Jean-Paul.
 Entre quatro paredes, ed. Civilização Brasileira.
_________________.
 O ser e o nada, ed. Vozes (Terceira Parte, sobretudo); 
http://filosofiaecoisasdavida.blogspot.com.br/ acesso em 22/05/2014.

3 comentários:

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  3. Segundo satre o outro serve para que não ajamos de ma fé como a razão de não termos ido mau em uma prova e nos auto enganarmos dizendo que a prova estava difícil de mais mas na verdade não estudou preferiu fazer outras coisas e assim o olhar do outro nos corrigi para que não faça o errado e assumir as responsabilidades

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