sábado, 4 de julho de 2020

Rousseau e a desigualdade natural e a desigualdade social


Introdução e questão-problema
       
Neste texto, vamos tratar de um problema filosófico refletido pelo filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). O pensador procura responder à seguinte questão: Qual é origem da desigualdade entre os homens? Em oposição a Platão, que considerava a desigualdade como natural, Rousseau propõe uma reflexão diferente, vejamos...

Quem foi Rousseau?
      
Rousseau nasceu em Genebra e, por ter perdido a mãe no momento do parto, recebeu uma educação infantil toda desordenada. Em 1728 deixa Genebra e em 1741 fixa moradia em Paris. Não acostumado com a vida dos salões, não se sentia à vontade na Paris culta. Na condição de profundo amante da vida natural, Rousseau nunca se sentiu à vontade na cultura burguesa e capitalista da época, interpretada por ele como corruptora da natureza humana.

            Talvez você já tenha ouvido a frase “O homem nasceu livre, e em toda a parte vive acorrentado”. Ela abre o livro Do Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau. Ele considerava o estado natureza a fonte da liberdade e da igualdade, e a sociedade política, fonte da guerra, pois instaurava a desigualdade entre as pessoas. Para ele, nascemos livres na natureza, mas nos aprisionamos pelas convenções sociais.

O homem no estado de natureza
      
Em seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau afirmava que o estado de natureza foi a “idade de ouro”, quando os seres humanos eram todos livres e iguais entre si, autossuficientes e isolados uns dos outros, vivendo em paz e harmonia. Para ele, no estado de natureza, os homens, do ponto de vista moral, não eram nem bons nem maus, nem possuíam vícios e virtudes, uma vez que não havia entre eles nenhum tipo de relação moral ou de deveres recíprocos. Na realidade, a única virtude natural que possuíam era a piedade, entendida como uma "repugnância inata ao ver sofrer seu semelhante".

        Do ponto de vista físico, esse homem primitivo, embora fosse menos forte e ágil em certos aspectos do que muitos animais, no conjunto levava vantagem sobre todos eles. Em linhas gerais, segundo Rousseau, a situação em que vivia, a desigualdade praticamente não existia. Isso fez com que se atribuísse a Rousseau a ideia do “bom selvagem” – a crença de que o ser humano é naturalmente bom, mas se corrompe pela vida em sociedade – embora ele nunca tenha usado essa expressão. 


Quando fala da desigualdade, o filósofo Rousseau iniciou distinguindo dois tipos de desigualdade: uma instituída pela natureza e outra produzida pelos homens. Deixemos, porém, que o próprio autor, em sua obra, explique mais claramente a diferença entre elas:

“Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade; uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.” Diz Rousseau: “Não se pode perguntar qual é a fonte da desigualdade natural, porque a resposta se encontraria enunciada na simples definição da palavra”: ela decorre da natureza.

Por isso, o autor dedicou-se a investigar as origens da desigualdade que ele chamou de “moral ou política”, isto é, da desigualdade social, procurando compreender o processo pelo qual ela foi gradualmente instituída pelos homens, desde os tempos mais remotos, até chegar ao estado em que se encontrava à época em que ele vivia (Europa do século XVIII). Mas então, o que levou a essa desigualdade?

A propriedade privada como origem da desigualdade social

Após ter demonstrado a quase inexistência da desigualdade no estado de natureza, Rousseau, raciocinando hipoteticamente, passa a descrever como ela surge e se desenvolve ao longo da história, procurando demonstrar que o momento determinante para esse surgimento foi o da invenção da propriedade privada. Veja como ele o descreve:

“O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante estúpidas para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e a terra, de ninguém!”.

Mas como a humanidade chegou a esse ponto? Segundo Rousseau, isso ocorreu graças a uma série de acasos que levaram a sucessivos progressos, ao aperfeiçoamento da razão humana e à deterioração da espécie, tornando mau um ser que era naturalmente bom ao transformá-lo em ser social. O que permitiu essa transformação foi a perfectibilidade, que é a capacidade que o homem tem de aperfeiçoar-se.

Para Rousseau, a origem da propriedade é também a origem da verdadeira desigualdade entre os seres humanos. As diferenças naturais não deveriam ser levadas em conta, porque a desigualdade social seria a única que origina uma distinção negativa entre os seres humanos. Rousseau considerava que a fundação da sociedade civil se deu na primeira vez que um ser humano cercou um terreno, afirmando: “isto é meu”, e encontrou a aceitação por parte de seus semelhantes. A origem da propriedade é a origem da sociedade, mas ainda sem as bases jurídicas que são garantidas por um Estado.

Assim, o homem, que antes era livre, passou a ser escravo de seus semelhantes e a ambição devoradora que se apossou dos homens passou a inspirar em todos eles uma tendência a “se prejudicarem mutuamente, uma inveja secreta tão mais perigosa que, para dar seu golpe com mais segurança, toma muitas vezes a máscara da benevolência”. Desse modo, conclui Rousseau, rompeu-se a igualdade do estado de natureza e instauraram-se “as mais terríveis desordens”.

O primeiro contrato social: o Estado a favor dos ricos

A instituição da propriedade teria dado início ao processo de acumulação de bens. Surgem as desigualdades, a escravidão, a ganância e a violência. Rousseau considerava que o primeiro contrato social que criou o Estado não resultava da ação de todos os indivíduos, mas da ação daqueles que tinha mais posses e puderam coagir os que não as tinham, na tentativa de resguardar suas propriedades.

Apesar de sua crítica mordaz aos rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o retorno da humanidade ao estado de natureza, o que, de resto, seria impossível. Uma vez instituída a sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se, agora, de encontrar uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em conformidade com a justiça e a liberdade.

O ideal de contrato social e o verdadeiro papel do Estado

Para Rousseau, o Estado poderia ser organizado de forma a preservar os direitos naturais e a igualdade entre os indivíduos. Um pacto que garantisse a igualdade sem abrir mão da liberdade humana deveria englobar todos os indivíduos. Se alguém fica de fora, se estabelece, já na origem, uma desigualdade que corrompe a sociedade instituída.

Em suma, pode-se concluir que, para Rousseau, a desigualdade, insignificante no estado de natureza, institui-se por obra do próprio homem, pelo desenvolvimento de nossas faculdades e pelo progresso de nosso espírito, consolidando-se finalmente pelo estabelecimento da propriedade e das leis.

Ciente de que o Estado e a sociedade em que vivia não eram aqueles imaginados por ele, e que era impossível voltar ao estado de natureza, Rousseau procurou encontrar modos de organizar socialmente os indivíduos preservando seus direitos e características naturais. De acordo com ele, por meio da educação pode-se evitar que o indivíduo seja corrompido pelas relações sociais, mesmo vivendo em uma sociedade desigual, centrada na exploração. Escreveu uma obra Emílio, em que projetou a educação de uma criança desde o nascimento até os 25 anos de idade.

As ideias de Rousseau originaram algumas das principais bases teóricas das democracias modernas.

Para concluir, responda às seguintes questões em seu caderno de Filosofia:

1-Qual é a questão-problema tratada por Rousseau e como ele caracteriza o estado de natureza e a sociedade política?
2-Como Rousseau descreve o homem no estado de natureza do ponto de vista moral e físico? O que é a perfectibilidade?
3-Qual é, segundo o filósofo, a origem da desigualdade social entre os homens? Explique.
4- Por que Rousseau afirma que o primeiro contrato social é a favor dos ricos?
5-Rousseau pensa um contrato social ideal. Neste caso, qual seria o papel do Estado?

Referências Bibliográficas:
GALLO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento. 2ª ed. São Paulo: Scipione, 2016.
MEIER, Celito. Filosofia: por uma inteligência da complexidade. Vol. único. 2ª ed. Belo Horizonte, MG: PAX Editora e Distribuidora, 2014.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens e outros textos. 3ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).
__________. Do Contrato Social. São Paulo: Companhia das Letras/ Penguin, 2011.


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