Introdução e questão-problema
Neste texto, vamos tratar de um problema
filosófico refletido pelo filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). O
pensador procura responder à seguinte questão: Qual é origem da
desigualdade entre os homens? Em oposição a Platão, que
considerava a desigualdade como natural, Rousseau propõe uma reflexão diferente,
vejamos...
Quem foi Rousseau?
Rousseau nasceu em Genebra e, por ter
perdido a mãe no momento do parto, recebeu uma educação infantil toda
desordenada. Em 1728 deixa Genebra e em 1741 fixa moradia em Paris. Não
acostumado com a vida dos salões, não se sentia à vontade na Paris culta. Na
condição de profundo amante da vida natural, Rousseau nunca se sentiu à vontade
na cultura burguesa e capitalista da época, interpretada por ele como
corruptora da natureza humana.
Talvez você
já tenha ouvido a frase “O homem nasceu livre, e em toda a parte vive
acorrentado”. Ela abre o livro Do Contrato Social de Jean-Jacques
Rousseau. Ele considerava o estado natureza a fonte da liberdade e da
igualdade, e a sociedade política, fonte da guerra, pois instaurava a
desigualdade entre as pessoas. Para ele, nascemos livres na natureza, mas nos
aprisionamos pelas convenções sociais.
O homem no estado de natureza
Em seu Discurso sobre a origem e
os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau afirmava que o
estado de natureza foi a “idade de ouro”, quando os seres humanos eram todos
livres e iguais entre si, autossuficientes e isolados uns dos outros, vivendo
em paz e harmonia. Para ele, no estado de natureza, os homens, do ponto de vista moral, não eram nem bons nem maus, nem possuíam vícios e virtudes, uma vez que não havia entre eles nenhum tipo
de relação moral ou de deveres recíprocos. Na realidade, a única virtude natural que possuíam era a piedade, entendida como uma "repugnância inata ao ver sofrer seu semelhante".
Do ponto de vista físico, esse
homem primitivo, embora fosse menos forte e ágil em certos aspectos do que
muitos animais, no conjunto levava vantagem sobre todos eles. Em linhas gerais,
segundo Rousseau, a situação em que vivia, a desigualdade praticamente não
existia. Isso fez com que se atribuísse a Rousseau a ideia do “bom
selvagem” – a crença de que o ser humano é naturalmente bom, mas se corrompe
pela vida em sociedade – embora ele nunca tenha usado essa expressão.
Quando fala
da desigualdade, o filósofo Rousseau iniciou distinguindo dois tipos de desigualdade:
uma instituída pela natureza e outra produzida pelos homens.
Deixemos, porém, que o próprio autor, em sua obra, explique mais claramente a
diferença entre elas:
“Concebo na espécie humana duas
espécies de desigualdade; uma, que chamo de natural ou física, porque é
estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde,
das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se
pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de
convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento
dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam alguns com
prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os
outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.” Diz Rousseau: “Não se pode
perguntar qual é a fonte da desigualdade natural, porque a resposta se
encontraria enunciada na simples definição da palavra”: ela decorre da
natureza.
Por isso, o autor dedicou-se a investigar
as origens da desigualdade que ele chamou de “moral ou política”, isto
é, da desigualdade social, procurando compreender o processo pelo qual ela foi
gradualmente instituída pelos homens, desde os tempos mais remotos, até chegar
ao estado em que se encontrava à época em que ele vivia (Europa do século
XVIII). Mas então, o que levou a essa desigualdade?
A propriedade privada como origem da desigualdade social
Após ter demonstrado a quase
inexistência da desigualdade no estado de natureza, Rousseau, raciocinando
hipoteticamente, passa a descrever como ela surge e se desenvolve ao longo da
história, procurando demonstrar que o momento determinante para esse surgimento
foi o da invenção da propriedade privada. Veja como ele o descreve:
“O primeiro que, tendo cercado um
terreno, lembrou-se de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante
estúpidas para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.
Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teria poupado ao gênero
humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado
aos seus semelhantes: Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se
esquecerdes que os frutos são de todos e a terra, de ninguém!”.
Mas como a humanidade chegou a esse
ponto? Segundo Rousseau, isso ocorreu graças a uma série de acasos que levaram
a sucessivos progressos, ao aperfeiçoamento da razão humana e à deterioração da
espécie, tornando mau um ser que era naturalmente bom ao transformá-lo em ser
social. O que permitiu essa transformação foi a perfectibilidade, que é
a capacidade que o homem tem de aperfeiçoar-se.
Para Rousseau, a origem da
propriedade é também a origem da verdadeira desigualdade entre os seres
humanos. As diferenças naturais não deveriam ser levadas em conta, porque a
desigualdade social seria a única que origina uma distinção negativa entre os
seres humanos. Rousseau considerava que a fundação da sociedade civil se deu na
primeira vez que um ser humano cercou um terreno, afirmando: “isto é meu”,
e encontrou a aceitação por parte de seus semelhantes. A origem da propriedade
é a origem da sociedade, mas ainda sem as bases jurídicas que são garantidas
por um Estado.
Assim, o homem, que antes era livre,
passou a ser escravo de seus semelhantes e a ambição devoradora que se apossou
dos homens passou a inspirar em todos eles uma tendência a “se prejudicarem
mutuamente, uma inveja secreta tão mais perigosa que, para dar seu golpe com
mais segurança, toma muitas vezes a máscara da benevolência”. Desse modo,
conclui Rousseau, rompeu-se a igualdade do estado de natureza e instauraram-se “as
mais terríveis desordens”.
O primeiro contrato social: o Estado a favor dos ricos
A instituição da propriedade teria
dado início ao processo de acumulação de bens. Surgem as desigualdades, a
escravidão, a ganância e a violência. Rousseau considerava que o primeiro contrato social que criou o Estado não resultava da ação de todos os indivíduos, mas da ação daqueles que tinha mais posses e puderam coagir os que não as tinham, na tentativa de resguardar suas propriedades.
Apesar de sua crítica mordaz aos
rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o retorno da humanidade ao
estado de natureza, o que, de resto, seria impossível. Uma vez instituída a
sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se, agora, de encontrar
uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em conformidade com a
justiça e a liberdade.
O ideal de contrato social e o verdadeiro papel do Estado
Para Rousseau, o Estado poderia ser organizado de forma a preservar os direitos naturais e a igualdade entre os indivíduos. Um pacto que garantisse a igualdade sem abrir mão da liberdade humana deveria englobar todos os indivíduos. Se
alguém fica de fora, se estabelece, já na origem, uma desigualdade que corrompe
a sociedade instituída.
Em suma, pode-se concluir que, para
Rousseau, a desigualdade, insignificante no estado de natureza, institui-se
por obra do próprio homem, pelo desenvolvimento de nossas faculdades e pelo
progresso de nosso espírito, consolidando-se finalmente pelo estabelecimento da
propriedade e das leis.
Ciente de que o Estado e a sociedade
em que vivia não eram aqueles imaginados por ele, e que era impossível voltar
ao estado de natureza, Rousseau procurou encontrar modos de organizar
socialmente os indivíduos preservando seus direitos e características naturais.
De acordo com ele, por meio da educação pode-se evitar que o indivíduo seja
corrompido pelas relações sociais, mesmo vivendo em uma sociedade desigual,
centrada na exploração. Escreveu uma obra Emílio, em que projetou a educação de
uma criança desde o nascimento até os 25 anos de idade.
As ideias de Rousseau originaram
algumas das principais bases teóricas das democracias modernas.
Para concluir, responda às seguintes questões em seu caderno de Filosofia:
Para concluir, responda às seguintes questões em seu caderno de Filosofia:
1-Qual é a questão-problema tratada por Rousseau e como ele
caracteriza o estado de natureza e a sociedade política?
2-Como Rousseau descreve o homem no estado de natureza do
ponto de vista moral e físico? O que é a perfectibilidade?
3-Qual é, segundo o filósofo, a origem da desigualdade social
entre os homens? Explique.
4- Por que Rousseau afirma que o primeiro contrato social é a
favor dos ricos?
5-Rousseau pensa um contrato social ideal. Neste caso, qual
seria o papel do Estado?
Referências Bibliográficas:
GALLO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento.
2ª ed. São Paulo: Scipione, 2016.
MEIER, Celito. Filosofia: por uma inteligência da
complexidade. Vol. único. 2ª ed. Belo Horizonte, MG: PAX Editora e
Distribuidora, 2014.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os
fundamentos das desigualdades entre os homens e outros textos. 3ª ed. São Paulo:
Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).
__________. Do Contrato Social. São Paulo: Companhia
das Letras/ Penguin, 2011.