segunda-feira, 13 de abril de 2020

A Ética em Epicuro

Contexto Histórico

Epicuro (341-270 a.C.) um cidadão de família nobre de Atenas, fundou em 306 a.C. uma escola no jardim de uma grande casa. Segundo o epicurismo, a filosofia deve servir para libertar o homem do medo do destino, da morte, das divindades. Epicuro é representante de uma teoria filosófica chamada Hedonismo. A ética (modo de agir) que os epicuristas defendiam é que o supremo bem a ser buscado na vida é o prazer (em grego, hedon). Sobre a morte, ele enunciou um princípio ético: não há que temer a morte, pois com a morte nada sentimos e depois dela não mais existimos. Trata-se, então, de viver plenamente a vida.

Habitua-te a pensar que a morte nada mais é para nós, visto que todo o mal e todo o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é privação da sensibilidade. 
(EPICURO. Antologia de textos. 3ªed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. p. 13. (Os Pensadores)).

Prazeres racionais

O epicurismo afirmava que a finalidade da vida é o prazer. Não um prazer obtido simplesmente, por meio dos instintos ou das paixões; e sim pela razão: o verdadeiro prazer estaria em superar todos os desejos, não ter necessidade de nada.

Quando dizemos, então, que o prazer é fim, não queremos referir-nos aos prazeres dos intemperantes ou aos produzidos pela sensualidade, como crêem certos ignorantes, que se encontram em desacordo conosco ou não nos compreendem, mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimento do corpo e de perturbações da alma.
(Antologia de textos, Epicuro)

Valorizar os prazeres simples
      
            A doutrina epicurista afirmava ainda que valores como a amizade, o pensamento, a apreciação das belezas naturais e das artes são formas de obter essa satisfação. A felicidade – a paz espiritual – (ataraxia, em grego) seria alcançada quando o homem atingisse o autodomínio, isto é, se libertasse de todos os medos e desejos, agindo somente segundo sua vontade.

            É importante observar, contudo, que ao falar em prazer Epicuro não se referia ao prazer sensorial, mas ao prazer racional. Tratava-se do prazer do sábio exercício da quietude da mente e da paz de espírito, o controle sobre as emoções e o domínio de si mesmo. Esse é o verdadeiro prazer, fonte da saúde e da felicidade. Entre os prazeres intelectuais, Epicuro incluía a amizade. Assim, sua escola, O Jardim, era uma comunidade na qual os discípulos compartilhavam a vida com o mestre, vivendo longe das agitações da cidade.

Eliminar ou moderar os desejos

Epicuro também dizia que quem espera muito sempre corre o risco de se decepcionar. Por isso, ele recomendava  que as pessoas eliminassem todos os desejos desnecessários e se permitissem apenas os naturais e necessários, mesmo assim com moderação. Isso significa fazer uma distinção entre os desejos, que, para o filósofo, podiam ser classificados em três tipos:

Naturais e necessários: como os desejos de comer, beber e dormir;
Naturais e desnecessários: como os desejos de comer alimentos refinados, tomar bebidas especiais e caras e dormir em lençóis luxuosos;
Não naturais e desnecessários: como os desejos de riqueza, fama e poder.

Contentar-se com pouco seria o segredo do prazer e da felicidade. Com a expectativa reduzida, não há decepção, e um grande prazer pode advir de um copo de água. Gozar o prazer eventual de um banquete ou de um cargo elevado não é proibido, mas não deveria ser desejado sempre, pois, mais cedo ou mais tarde, viriam a insatisfação, o desprazer, a infelicidade.

Escolher os prazeres duradouros

Devemos escolher os prazeres com prudência racional. Alguns são mais duradouros e encantam o espírito, como a boa conversação, a contemplação das artes e a audição de música. Já outros, movidos pela explosão, são muito intensos e imediatos, mas perdem sua força com o passar do tempo. Esse discernimento nos possibilita realizar uma escolha prudente e racional dos prazeres, evitando aqueles que podem produzir infelicidade.

Em suma, o epicurismo constitui uma ética hedonista, colocando o “verdadeiro prazer”, o prazer do repouso do espírito, como o bem a ser almejado. Não se trata de uma busca desenfreada por bens materiais, mas do exercício paciente do pensamento como forma de produzir a tranquilidade da alma. A felicidade consiste, para Epicuro, em não sofrer no corpo, evitando as dores que podem ser evitadas, e não ter a alma perturbada.

QUESTÕES PARA REFLETIR E CONSTRUIR O PENSAMENTO

1.      Explique o que significa a teoria hedonista.
2.      Por que, segundo o texto, não precisamos temer a morte? Você concorda com essa afirmação?
3.      Faça uma lista dos seus desejos. Depois procure classificá-los de acordo com a teoria de Epicuro.
4.      Você acredita que, se desenvolvesse o autocontrole e apenas desejasse o que é natural e necessário, sofreria menos ou seria mais feliz?
5.      Qual é o papel da prudência na busca da felicidade?

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual. 2002.
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2016.
EPICURO. Antologia de textos. 3ªed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. (Os Pensadores)
GALO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento. Volume único. 2ed. Scipione. São Paulo. 2016.

Kant e a ética como ação conforme o Dever

Contexto Histórico

Costuma-se caracterizar o século XVIII como o “século da moral”, por ter sido profundamente marcado pelo Iluminismo, um projeto pedagógico-político de construção da autonomia da razão e emancipação da humanidade que fornecia os meios intelectuais para uma ação consciente. É nesse contexto histórico e filosófico que se delineia o projeto ético de Kant.

Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, desenvolveu uma concepção de ética baseada na ideia de que as ações humanas são orientadas por intenções, não por finalidades, como afirmava Aristóteles. Kant destaca a noção de dever como intenção fundamental das ações humanas. As perguntas básicas da ética pensada nesses termos seriam: o que devo fazer? Como devo agir?

Para Kant, a vontade não é simplesmente um instinto, um desejo; ela é racional, é resultado do exercício da razão. A razão implica a possibilidade da liberdade humana. Somos livres porque somos seres de vontade. Somos livres porque somos racionais. Somos livres quando temos nossa própria lei, quando nossa lei não nos é imposta por outros. Em outras palavras, somos livres quando somos autônomos.

Autonomia é a capacidade de governar-se por si mesmo, sem obedecer a outro. Para a filosofia iluminista, portanto, liberdade é autonomia, e esta diferencia-se de heteronomia, que é quando se segue as regras ou normas de outro, que não são da própria vontade.

O que torna uma pessoa ética?

Segundo Kant, não é o fato de alguém ter um grande talento proporcionado pela sua natureza, que o torna moralmente excelente. O que realmente importa é o uso que fará deste talento. E sobre ele, é o sujeito quem decide, usando sua liberdade para resolver o que fazer com as aptidões que tem. Portanto, a inteligência, por exemplo, pode ser muito apreciável, mas não é uma qualidade moral. E por que não? Porque ela pode ser colocada tanto a serviço do bem quanto do mal. A inteligência não é por si mesma boa ou má. Será boa se o sujeito tiver boa vontade ao usá-la.

Assim, podemos usar a inteligência para ensinar, curar, alegrar e muito mais. Em contrapartida, também podemos usá-la para enganar, entristecer, iludir, mentir e também muito mais. Tudo depende da boa vontade. A boa vontade é tudo de bom, diria Kant. Ela, inclusive, levaria os seres humanos a uma maior igualdade. Então, entendemos que os talentos naturais, por eles mesmos, não têm nenhuma relevância moral. Podemos ser gênios canalhas. Lindos heróis ou vilões. O que importa mesmo é a liberdade para decidir bem.

A boa vontade desinteressada e universal

Somos, portanto, igualmente livres para uma boa vontade, indo além dos nossos instintos naturais, esta é a primeira consequência da liberdade. No entanto, essa boa vontade deve ter como segunda consequência o desinteresse. Ir além da nossa natureza é considerar outros desejos além dos próprios. Supõe não sermos egoístas. Sabemos diferenciar uma ação desinteressada de outra oposta. Qual tem mais valor moral? A desinteressada, supomos. Por isso, achamos tão interessante quando alguém nos faz um favor aparentemente motivado pelo nada, sem esperar nada em troca. Somos kantianos sem saber.

A terceira consequência desta liberdade é o universalismo. A vontade deve ser uma boa vontade, desinteressada e ser universal (servir para todos). A ação pelo dever, que resulta da razão, deve valer para qualquer um. Portanto, o certo e o errado vão muito além do que é certo ou errado para cada um. Kant diria: 
"Faça de tal maneira que sua ação pode ser feita por todas as pessoas. Aja de modo que sua ação possa ser transformada em lei".
Por exemplo: não tomo o que não me pertence. Eu devo agir assim e todas as pessoas do mundo não devem roubar. Perceba a relação entre esse universalismo e o desinteresse.










O Imperativo Categórico

Kant criou uma fórmula chamada de Imperativo Categórico, uma fórmula que ordena (por isso é imperativo) de modo incondicional (por isso é categórico).

          - Aja unicamente de tal forma que sua ação possa ser transformada em lei universal -

O que eu devo fazer ou não devo fazer pode ser feito ou não por todas as pessoas. Por exemplo: eu posso decidir, por vontade própria, não roubar um bem alheio, porque sou capaz de refletir e julgar que não é correto tomar de outro aquilo que não me pertence, e este é um valor universal, que deve ser seguido não apenas por mim, mas por todos os outros. Outro exemplo: se eu tomar emprestado dinheiro de alguém, devo devolver no prazo combinado, e essa regra vale para mim e para todos os outros. Não posso, pelo contrário, tomar emprestado e só devolver quando eu quiser, desrespeitando a data acordada para a devolução, e exigir que quando eu emprestar dinheiro a alguém, ele devolva-o no prazo combinado. Se agisse assim, estaria produzindo duas regras: uma mais frouxa que vale para mim e outra mais rigorosa que se aplica aos outros. Essa ação estaria, portanto, contrária à fórmula do imperativo categórico kantiano.

Agir com ética exige esforço

A ideia de universalidade implica a negação da própria particularidade. É resistir aos próprios interesses egoístas. Para levar em conta o interesse geral, o bem comum, é preciso considerar o interesse dos outros. E isso não é natural. Exige esforço. Para ser livre, ter boa vontade, considerar o outro e buscar o universal é preciso ficar sempre atento ao dever, remando, muitas vezes, contra a maré.

Para o pensamento moderno de Kant, a virtude é uma luta contra a natureza em nós. Uma disposição que se aprende. Por não ser inata (que vem naturalmente), exige educação, porque a matéria bruta, a natureza, é egoísta.

De tudo isso, consideramos por fim que não se trata de agir meramente segundo os costumes ou a tradição de uma cultura. Trata-se de agir segundo um princípio que me é dado pela minha própria razão, determinando minha vontade, como um ato de liberdade. Sendo a razão a mesma em todos os sujeitos, a lei pensada pela razão também será a mesma, ainda que os sujeitos sejam diferentes. Fica a questão: agimos como devemos agir, baseando-nos em regras universais que nos são dadas pelo exercício do pensamento racional?

Para refletir e construir o pensamento:

1.      Encontramos na moral cristã a regra: “Não roubarás”. Sendo cristão, devo viver de acordo com essa regra. Caso contrário, poderei ser punido. Ao fazer isso estou agindo de forma autônoma ou heterônoma? Explique.
2.       Considerando a mesma situação acima (não roubar), como ela poderia ser analisada de acordo com o imperativo categórico kantiano?
3.      Explique as condições para que uma ação seja ética, conforme Kant. (liberdade, boa vontade, desinteresse, universalidade)
4.      Por que, segundo Kant, o imperativo categórico é importante para a construção da sociedade humana?

Referências Bibliográficas:
FILHO, Clóvis de Barros; POMPEU, Júlio. A Filosofia Explica as Grandes Questões da Humanidade. Editora Leya. Rio de Janeiro. 2013.
GALO, Sílvio. Ética e Cidadania: Caminhos da Filosofia. 18ªed. Campinas, SP: Papirus. 2010.
___________ Filosofia: experiência do pensamento. Volume único. 2ed. Scipione. São Paulo. 2016.