terça-feira, 5 de agosto de 2014

A teoria liberal – A Burguesia e a propriedade privada


Marilena Chauí

Para que o poder econômico da burguesia pudesse enfrentar o poder político dos reis e da nobreza, a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse uma legitimidade tão grande ou maior do que o sangue e a hereditariedade davam à realeza e à nobreza. Em outras palavras, assim como o sangue e a hereditariedade davam à realeza e à nobreza um fundamento natural para o poder e o prestígio, a burguesia precisava de uma teoria que desse ao seu poder econômico também um fundamento natural, capaz de rivalizar com o poder político da realeza e o prestígio social da nobreza, e até mesmo superá-los.

Essa teoria será a da propriedade privada como direito natural e sua primeira formulação coerente será feita pelo filósofo inglês John Locke no final do século XVII e início do século XVIII.

Locke parte da definição do direito natural como direito à vida, à liberdade e aos bens necessários para a conservação de ambas. Esses bens são conseguidos pelo trabalho.

Como fazer do trabalho o legitimador da propriedade privada enquanto direito natural?

Deus, escreve Locke, é um artífice, um arquiteto e engenheiro que fez um obra: o mundo. Este, como obra do trabalho divino, a ele pertence. É seu domínio e sua propriedade. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que nele reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com o suor do seu rosto. Por todos esses motivos, Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do homem, o direito à propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso, de origem divina, ela é um direito natural.

O Estado existe a partir do contrato social. Sua principal finalidade é garantir o direito natural de propriedade.

Dessa maneira, a burguesia se vê inteiramente legitimada perante a realeza e a nobreza e, mais do que isso, surge como superior a elas, uma vez que o burguês acredita que é proprietário graças ao seu próprio trabalho, enquanto reis e nobres são parasitas da sociedade ou do trabalho alheio.

O burguês não se reconhece apenas superior social e moralmente aos nobres, mas também como superior aos pobres. De fato, se Deus fez todos os homens iguais, se a todos deu a missão de trabalhar e a todos concedeu o direito à propriedade privada, então, os pobres, isto é, os trabalhadores que não conseguem tornar-se proprietários privados, são culpados por sua condição inferior. São pobres, não são proprietários e têm a obrigação de trabalhar para outros, seja porque são perdulários, gastando o salário em vez de acumulá-lo para adquirir propriedades, seja porque são preguiçosos e não trabalham o suficiente para conseguir uma propriedade.

Referência Bibliográfica: (Marilena Chaui, Convite à filosofia, São Paulo, Ática, 2005, cap. 11 – “As filosofias políticas”; a teoria liberal, p. 374s).

PARA REFLETIR...

1.      Qual a importância da teoria liberal de Locke para a sua época?

2.      Por que, segundo Locke, existe a desigualdade social?

3.      E atualmente, a teoria de Locke faz sentido? A sociedade capitalista pensa assim em relação à propriedade?

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Finalidade última da Filosofia



Em sua origem histórica, a relação da filosofia com a felicidade era fundamental, pois a vida boa seria a finalidade última da investigação filosófica. Para que você entenda bem o que queremos dizer com “finalidade última” de uma ação, observe a seguinte sequência de perguntas:
- Filosofar para quê?
Para pensar melhor sobre tudo: os fatos, as pessoas, a vida.
- Pensar melhor sobre tudo para quê?
Para encontrar soluções aos problemas da existência – a minha e a das outras pessoas.
- Encontrar essas soluções serve para quê?
Para ter menos problemas, ficar mais tranquilo e viver melhor.
- Viver melhor para quê?
Para me sentir bem, em paz comigo mesmo e com o mundo.
- Sentir-se assim para quê?
Para ser feliz.
- Ser feliz para quê?
Não sei. Talvez para deixar as pessoas que me cercam felizes também.
- Deixá-las felizes para quê?
Para que eu fique feliz com a felicidade delas.
Vemos que, no final, as respostas começam a ser circulares. Voltam sempre ao mesmo ponto, ou seja, à ideia desse sentimento de bem-estar, de satisfação consigo mesmo e com a vida, ligada também à sensação de plenitude, de já ter tudo e não precisar de mais nada. Essa é uma boa descrição da felicidade.
Portanto, finalidade última é aquela que está por detrás de todas as finalidades mais imediatas e conscientes de uma ação geralmente inconsciente, ela é o motivo fundamental de uma conduta.


(COTRIM, Gilberto. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013).